24.1.05

 

Os Senadores de Portugal e o Futuro

«Car ce n’est pas assez d’avoir l’esprit bon, mais le principal est de l’appliquer bien».
René Descartes, Discours de la Méthode, Leyde, 1636.

Esperei, como muitos portugueses, a noite da passada 2ª feira, dia 17-01-2005, com intensa curiosidade, para ver o anunciado programa «Prós e Contra» que iria debater o tema « O Rumo do País e o Futuro da Democracia», contando em cena com quatro dos chamados Senadores da Política Portuguesa : Adriano Moreira, Mário Soares, Pinto Balsemão e Freitas do Amaral, por ordem etária decrescente, se não erro.

A decepção foi, no entanto, enorme, de tal forma, que só resisti até ao primeiro intervalo. Disseram-me que no final se tornara mais interessante e algumas coisas relevantes foram lá ditas, como aquela de o Estado ter gasto o ano passado 50 milhões de contos, cerca de 250 milhões de euros, em trabalhos de consultoria requisitados a entidades externas.

Quer dizer : o Estado, apesar de toda a sua imensa máquina, com uma vasta Administração Pública, onde supostamente se encontram muitos corpos de saber especializado, com técnicos superiores qualificados, ainda assim, teve de recorrer a serviços de Empresas de Consultoria, privadas, para desenvolver os estudos e os trabalhos de que correntemente necessita.

Como se consegue justificar este tão alto dispêndio de verbas, numa altura em que se pede contenção em todo o lado, e por que não pode a Administração Pública, com os seus Serviços Especializados encarregar-se desses trabalhos ?

Eis uma pergunta que qualquer cidadão fará e a que o Estado deveria responder. Ignoro quais tenham sido os comentários que lá no programa se expenderam ante tão desconfortável situação.

Até à parte em que permaneci em frente do televisor, nada ou muito pouco do que aquelas quatro figuras disseram me agradou.

Reconheço que são pessoas com saber, currículo político e, nalguns casos, académico, de grande relevância, nomeadamente, nos casos de Adriano Moreira e Freitas do Amaral, ambos Professores Universitários de reconhecidos méritos e com larga obra publicada.

Os outros dois Senadores, Mário Soares e Francisco Balsemão, têm currículo predominantemente político, sendo que este último, destacado empresário da Comunicação Social, foi o fundador do Expresso, semanário que terá poderosamente contribuído, nos seus 32 anos de existência, para a formação política de várias gerações de Portugueses, cabendo-lhe, também aqui, papel de relevo, merecedor de geral reconhecimento.

Não obstante, como já nos advertia o distante, mas mui arguto, René Descartes :

« Não basta ter o espírito bom, o principal é aplicá-lo bem. As maiores almas são capazes dos maiores vícios, como também das maiores virtudes ; e os que não caminham senão muito lentamente podem avançar muito mais, se seguirem sempre o recto trilho, do que aqueles que correm, mas dele se afastam ».

Na verdade, chega a ser confrangedor ouvir estas e outras pessoas, que, ao longo dos trinta e um anos da nossa renovada vida democrática, ocuparam e desempenharam os mais altos cargos do Estado, salvo Adriano Moreira, que teve uma passagem mais curta pelo Parlamento e pela direcção do Partido do Centro Democrático Social, ainda assim, relevante, falando do grau de degradação a que chegámos, nos vários planos em que analisemos a situação do país, como se eles com ela nada tivessem que ver.

Foram eles e não outros que aqui nos conduziram, que nos inculcaram a bondade das políticas traçadas, sozinhos, em coligação ou em oposição uns aos outros, foram sempre eles que intervieram na escolha dos nossos destinos dos últimos trinta anos.

Os resultados medíocres das políticas que defenderam e inculcaram estão agora à vista, ainda que os protagonistas actuais sejam outros, por sinal, menos preparados, intelectual e eticamente, mas, muitos deles, são até da sua escolha ou apadrinhamento.

Como podem falar com tanto desapego, sobretudo Soares e Balsemão, e mais que todos, Soares, que desde Abril de 1974, anda comprometido na vida política da Nação, tendo desempenhado já quase todos os cargos de notoriedade existentes : Ministro de Estado, Deputado, Ministro dos Negócios Estrangeiros, Primeiro-Ministro, Presidente da República e Deputado do Parlamento Europeu, alguns deles até, por diversas vezes, como podem deixar de sentir-se altamente responsáveis pela degradação atingida ?

É certo que todos nós, uma vez ou outra, votámos nalgum deles e por aí também, parcialmente, nos corresponsabilizámos, mas foram eles que desempenharam os cargos e que tomaram as decisões, ainda que de forma legítima. Não é aceitável que agora ou relativizem o mal ou o atribuam aos restantes intervenientes.

Deveriam ser eles os primeiros a assumir a sua culpa maioritária, pedindo desculpa, publicamente, ao povo português pelos fracos resultados da sua intervenção na vida política da Nação.

A maneira como, sobretudo, Soares e Freitas falam merece os maiores reparos, porque durante os anos da sua dourada proeminência política, sempre nos apresentaram como boas as políticas que praticavam, as opções que tomavam.

Se hoje ainda continuam interessados em intervir politicamente não é isso que se torna condenável, mas a sua percebida tentativa de desresponsabilização na crise em que há vários anos já encalhámos.

Daí que a nossa ansiada regeneração não possa ser desencadeada por eles, nem por uma legião de outros actores políticos, players, no moderno falar dos gestores «nacionais», muito afeitos ao imaginado anglicismo nobilitante, mas apenas por aqueles que conservam a honradez, a competência e a autoridade de, em devido tempo, terem alertado para os erros e desacertos dos caminhos que então trilhávamos.

Só destes e de uma multidão anónima, mas capaz, de descomprometidos da balbúrdia institucionalizada se poderá esperar a ansiada regeneração nacional, outra vez como no século dezanove, após as guerras e golpes contínuos em que quase metade desse século, para a nossa empobrecida terra, se consumiu.

Nunca poderão ser os mesmos que nos trouxeram a este envergonhado ponto de desenvolvimento económico, social, científico e cultural, a proporem-se a conduzir-nos ao caminho da redenção. Poderão certamente nela colaborar, mas nunca deverão ser de novo os condutores, os arautos da nova Esperança.

Se nisso consentirmos, nós todos, povo português, velha Nação desta Europa transfigurada e ameaçada por múltiplos perigos, ainda não convenientemente apercebidos, estaremos a iludir-nos mais uma vez e por tal pagaremos caro num qualquer futuro decrépito, se, acaso até lá, subsistirmos como tal.

Vana est sine viribus ira / Vã é a ira sem a força.


AV_Lisboa, 23 de Janeiro de 2005


Comments:
António, completamente de acordo!
Os 'senadores' falam, hoje, como se nunca tivessem tido nas suas mãos o poder de evitar os caminhos que nos conduziram até esta situação.
Esquecem-se de dizer-nos que, nessa altura, precisavam dos respectivos partidos, como base de apoio e de trabalho, para chegar onde chegaram, pelo que havia que permitir a entrada a todos, mesmo aos que só lá andavam à babugem de migalhas. Com essa permissividade, foi-se instalando um certo espírito oportunista que só poderia descambar no que descambou.
Falta de visão ou oportunismo mútuo?
Claro que hoje, já retirados da vida política activa ou sem pretensões que passem pelo apoio partidário, até podem dar-se ao 'luxo' de serem críticos, exigentes e puros.
Ai... não digo mais nada, porque já estou a ficar irritada e a partir daqui sou capaz de dizer o que não quero.
 
Assinando o 'post' anterior,
DespenteadaMental
 
Very nice site! »
 
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